Por Padma Chime
O sofrimento do sofrimento é quando escolhemos o caminho da infelicidade para nos sentirmos especiais. Ninguém se importa muito com quem é feliz. Há muita felicidade no mundo, apesar dos jornais mostrarem o contrário. Pessoas verdadeiramente felizes encontraram o equilíbrio de alguma forma. Estão ok, não é preciso se preocupar com elas. Porém, pessoas infelizes preocupam muito os outros.
Ser infeliz é uma forma ardilosa do ego chamar a atenção para si, de pedir colo. Pedir, não: exigir. Neste ponto criamos um motivo ilusório para nos apegarmos ao sofrimento. A vida nunca está perfeita, sempre falta algo. Não há realização, satisfação ou regozijo. Inventamos tudo isso, criando uma auto-ilusão de que vivemos um conto de fadas. Mas nada nos satisfaz inteiramente. Nos sentimos incompletos, nos auto-sabotamos o tempo todo, nas menores coisas. Desta forma obtemos a atenção, o cuidado e o carinho dos outros. Escolhemos trabalhos que não gostamos, “amizades” marcadas pelo interesse mútuo, relacionamentos vazios e sem profundidade. Sempre inventamos um problema, uma falha, um veneno que está no outro, nunca em nós. Desta forma, continuamos a trilhar o caminho da infelicidade e a receber o afeto que precisamos.
Neste ponto, acontece uma resignação que nos leva para dentro de nós mesmos, num redemoinho confuso, cheio de dúvidas e inseguraças. Nos tornamos pessoas incapazes de aceitar a felicidade. Dizemos um sonoro não ao amor real e criamos ao nosso redor, um casulo seguro e confortável, porém úmido, escuro e claustrofóbico. Só que de forma inversa: sair do casulo é o que causa pânico. Nos agarramos ao hábito, à rotina como a uma tábua no meio do oceâno. Ficamos entretidos com nós mesmos, com nossos joguinhos mentais, nossas desculpas, truques e estratégias de fuga.
Começamos a trilhar o caminho da infelicidade ainda na infância, nos primeiros sinais de rejeição e abandono. A criança não aprendeu ainda a lidar com essas emoções e as absorve como algo real, incorporando-as à sua identidade em formação. Sem um acompanhamento adequado, quando adultos, é comum repetirmos esse padrão de comportamento com os outros. É mais fácil abandonar do que ser abandonado. Rejeitar do que ser rejeitado. Há também uma certa crueldade, uma vingança velada, de fazer com que o outro sofra aquilo que sofremos no passado. Ou, em atitudes auto-destrutivas, criamos situações que levam o outro a nos abandonar. Assim, nos tornamos novamente vítimas do sofrimento e perpetuamos o caminho da infelicidade. É muito difícil estabelecer relações sinceras e profundas desta forma.
Os sentimentos ficam amortecido pelo medo da entrega. Se entregar é correr o risco de sair do casulo, de confrontar o ego, de sofrer pelas mãos do outro. Então, preferimos sofrer por nossas próprias mãos. Não nos arriscamos, paralisamos. Fazemos uma plástica, entramos na academia, compramos um carro novo, adotamos uma religião, mudamos os móveis da casa de lugar, adquirimos um animal de estimação. Tudo isso para que a vida no casulo continue agradável e sem alterações. Porém, não há vida dentro do casulo, nem amor, nem compaixão. E sim algo que parece amor, algo que parece compaixão, algo que parece vida e que, guiados pela ignorância, aceitamos como legítimos. Por isso nos sentimos incompletos.
O primeiro passo para sair do caminho da infelicidade é aceitar que estamos nele. O amor real é o antídoto. Este tipo de amor gera a felicidade, mas muito medo também, porque ele destrói toda a ilusão criada por nós. O medo é um bom termômetro para termos a certeza que estamos frente a frente com o amor real, já que dentro do casulo nos tornamos desconfiados e arredios. O medo funciona como aquelas varetas de madeira que vibram quando existe água por perto. Quando estamos próximos desse amor, o nosso ego vibra em pânico, porque sabe que pode ser destruído a qualquer momento.
Aos 16 anos, uma jovem engravidou de um amigo de escola, apenas um ano mais velho. Ele e a família mudaram de cidade, deixando a garota abandonada a própria sorte. Durante todo o período de gravidez, a jovem rejeitou a criança, alimentando sentimentos de culpa e aversão. Por ser de família religiosa, a hipótese de aborto foi descartada. Então, a moça fez sua mãe prometer que encaminharia a criança para ser criada por um casal, assim que saísse do seu ventre. Não queria nenhum contato fisíco ou visual com o bebê. O parto foi realizado em casa, como era de costume na região. Porém, a mãe da moça esqueceu de avisar a parteira sobre a exigência da filha. Assim que a criança nasceu, a parteira a colocou no colo da mãe. Era uma menina. Descontrolada, a jovem mãe abraçou a filha recém-nascida e chorou compulsivamente. Um choro de muita dor, pontuado por gritos de raiva realmente assustadores. O sofrimento da jovem mãe foi intenso e verdadeiro porque, naquele momento, o amor real venceu a rigidez do ego. E o ego não está habituado a perder. Os medos e incertezas foram consumidos pelo fogo do amor real. E isso dói muito. O amor real está em nós. O sofrimento surge quando resistimos a ele.
Para quem está no casulo é mais fácil viver paixões por coisas, sonhos ou pessoas, do que se entregar aos sentimentos verdadeiros. Simplesmente porque as paixões são fugazes, não requerem envolvimento. Como dentro do casulo nossos sentimentos estão anestesiados, a intensidade ilusória das paixões nos tira desse torpor para, momentos depois, nós arremessar de volta ao sofrimento.
Ao contrário da paixão, o amor real remete ao compromisso. Sentimos um desejo profundo de compartilhar nossa vida com outra pessoa. O compromisso é inerente ao amor real, surge naturalmente, sem nenhum esforço. Nos comprometemos não com o outro, mas com o amor que sentimos. É por esse amor que enfrentamos nossos medos, nos descobrimos mais ternos e abertos. O amor real não tem compromisso com o passado ou com o futuro, porque é impossível prever os rumos que nossas vidas irão tomar. O amor real é um pacto que fazemos com o presente. Sentimos o amor real aqui e agora e expressamos esse amor da forma mais pura e verdadeira que conseguimos. É preciso se entregar a este sentimento, mesmo que o medo ainda esteja presente. Dessa forma renunciamos as migalhas de atenção e afeto em troca da benção que é dar e receber o verdadeiro amor que merecemos. Só assim deixamos de trilhar o caminho da infelicidade e abandonamos de vez nosso casulo para ser quem realmente somos.